O debate moderno sobre o narcisismo muitas vezes confunde a causa e o efeito, atribuindo a um culto ao privatismo as consequências da desintegração da vida pública. Além disso, o termo “narcisismo” é frequentemente usado de maneira tão genérica que pouco resta de seu significado psicológico original. Erich Fromm, em sua obra “O coração do homem”, exemplifica essa tendência ao despojar o narcisismo de seu significado clínico, expandindo-o para abranger uma variedade de comportamentos como vaidade, autoadmiração, autossatisfação e autoglorificação. Fromm usa o narcisismo como um sinônimo para o individualismo antissocial que, segundo ele, impede a cooperação e o amor fraterno, essenciais para um socialismo humanista e progressista.
Fromm contrasta o narcisismo com um amor altruísta pela humanidade, que ele idealiza como um “amor pelos desconhecidos”. No entanto, essa discussão sobre o “narcisismo individual e social” se encaixa mais como uma platitude moralista vestida de linguagem terapêutica, típica de nossa era terapêutica, do que como uma análise psicológica rigorosa. Ele critica a sociedade moderna por estar presa em um narcisismo patológico, o que refletiria uma discrepância entre o desenvolvimento intelectual e emocional das pessoas.
Richard Sennett oferece uma perspectiva alternativa, sugerindo que o narcisismo está mais próximo do autodesprezo do que da autoadmiração, um ponto que Fromm negligencia em sua crítica. Esse descuido é parte de um problema maior em Fromm, que tenta adaptar o pensamento de Freud a uma visão mais “humanística”, mas acaba por diluir o rigor teórico freudiano em favor de slogans éticos e sentimentalismo.
Fromm minimiza as diferenças teóricas fundamentais na teoria freudiana, como a origem da libido. Freud, em seus trabalhos posteriores, revisou sua teoria inicial do narcisismo, propondo que a libido não se origina do ego, mas sim do id, que ele chamava de “grande reservatório da libido”. Esse ajuste na teoria de Freud foi crucial, pois marcou a transição para uma teoria estrutural da mente que reconhece as complexidades do ego, do supereu e do id, além da importância dos impulsos não sexuais como a agressão.
A nova compreensão de Freud sobre o narcisismo, vista como uma defesa contra impulsos agressivos e não apenas como uma questão de amor-próprio, é significativamente diferente da interpretação de Fromm. As modificações de Freud sugerem que o narcisismo pode ser uma reação complexa às dinâmicas inconscientes e às relações de objeto, algo que Fromm tende a simplificar em sua crítica.
Em resumo, a discussão sobre o narcisismo reflete uma tensão entre a compreensão clínica e a interpretação sociopolítica do termo. Enquanto Fromm busca reformular o narcisismo dentro de uma visão ética e socialmente engajada, ele se afasta das nuances psicológicas estabelecidas por Freud, que enfatizavam a complexidade do comportamento humano e a interação entre os aspectos biológicos e sociais da personalidade.
Esse debate ilustra como o narcisismo, além de ser um conceito clínico, tornou-se uma metáfora rica para discutir as falhas e desafios da condição humana na modernidade. A visão de Fromm, apesar de suas limitações, incita a uma reflexão sobre como as estruturas sociais influenciam o desenvolvimento pessoal e como a psicologia pode contribuir para uma compreensão mais profunda dos problemas sociais contemporâneos. No entanto, é crucial manter a integridade do rigor psicológico ao aplicar conceitos clínicos a discussões sociopolíticas, para evitar simplificações que podem obscurecer mais do que esclarecer.