Somos indivíduos em plena formação.

Construímos e descontruímos conceitos, percepções, preferências o tempo todo.

Em meio a este processo contínuo, quando estamos inseridos em um relacionamento passamos a evoluir ainda mais.

Isto porque conviver com uma pessoa diferente que nos mostra outros mundos e pontos de vista nos faz adquirir mais vivências e aprendizados.

Aprendizados como ter paciência, empatia, cuidado com o outro. Buscamos a melhora na comunicação, na demonstração de amor, confiança, etc.

Mas inevitavelmente nós e a pessoa que está conosco erra.

Todos erramos. Uns mais, outros menos, mas este ponto é inegável: todos em algum momento de nossas vidas erramos.

E diante do erro do outro, dependendo da gravidade deste aparece um dos maiores desafios da convivência humana: o perdão.

Perdoar quando alguém esquece de dar um bom dia, deixou cair um copo ou quando o outro esqueceu o aniversário de relacionamento é simples. Mas quando o erro envolve algo que viola nossos acordos morais, de valores como a traição, daí perdoar deixa de ser algo rápido, simples e começa a se tornar um capítulo a mais na nossa história.

O capítulo em que nos recolhemos e passamos a avaliar o outro e suas atitudes de maneira contínua.

Sim, porque quando alguém nos decepciona de maneira mais intensa, quando nos magoa e provoca sofrimento emocional, tudo fica mais complexo.

Este sofrimento na alma é algo que traumatiza muito porque para poucas pessoas nós damos o privilégio de acessar um espaço sagrado nosso: o espaço do coração, do amor.

Seja que tipo de relacionamento for, pode ser o companheiro que escolhemos para percorrer a jornada da vida, pode ser um parente mais próximo ou um amigo querido, quando alguém que consideramos muito nos decepciona, dói demais.

E dói exatamente por isso: porque se trata de alguém especial.

Alguém que eu jamais poderia esperar que me magoasse assim.

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Bom, já podemos dar uma parada aqui nesta parte para analisar isto: “alguém que eu jamais esperaria me magoou demais”. O fato de colocarmos uma expectativa alta no outro, achando que ele jamais vai errar, já é uma atitude que vai contribuir para que soframos ainda mais no futuro.

Claro que ninguém vai se relacionar com alguém esperando que este pise na bola conosco a qualquer momento. Mas precisamos estar cientes de que as pessoas que amamos são antes de tudo; pessoas.

Pessoas que erram e acertam como nós mesmos. Nós também corremos o risco de errar da mesma maneira ou até, quem sabe, errar mais ainda com o outro.

Não devemos colocar o outro em um patamar de quase santo. O outro faz besteira, fala coisas inconvenientes, pode ser meio lerdo de vez em quando, enfim: o outro erra. Não existe pessoa perfeita.

Então, no dia a dia, não é saudável “passar pano” cada vez que o outro erra. Porque são nossas reações diante do erro que vão mostrar ao outro até que ponto ele pode ir.

Se meu companheiro sai em um sábado de manhã, some e volta só à noite, por exemplo, é esperado que eu fique muito brava.

Ele errou? Sim se o relacionamento já tem como regra de convivência que um deve prestar contas ao outro, que deve estar acessível no caso dele demorar e que sair sozinho é algo que não está legal para os dois. Todo relacionamento é uma espécie de contrato.

Mas seguindo com a situação hipotética: quando ele volta é claro que é preciso sentar e conversar com firmeza e clareza para deixar bem claro que eu não gostei, por causa disso e aquilo outro.

Pronto. Foi um erro. Como foi a primeira vez, então considero que a pessoa geralmente me respeita, não costuma ter este comportamento e vida que segue.

O que houve aqui? Um perdão.

Perdoei e resolvi seguir em frente e dar o voto de confiança.

Houve o erro, a pessoa reconheceu que errou, foi estabelecido um diálogo onde ambas as partes conversaram e deixaram claro o porquê desta situação não poder se repetir.

O acordo firmado foi de que nada parecido acontecerá de novo.

Mas e se o fato volta a acontecer ou acontece algo ainda mais grave e eu me vejo sem chão, me sinto a última pessoa no mundo porque quem eu confio me traiu e me magoou muito?

Aí é que entramos no outro estágio do perdão. O estágio de interiorização onde reavaliamos tudo que somos, acreditamos e que estamos sentindo.

Um erro cometido por alguém que amamos provoca a primeira grande perda: a perda da paz.

Parece que não carregamos mais paz dentro de nós. Algo fica fomentando, toma nossos sentidos, nossos pensamentos, todos nossos sentimentos e relações ficam tomados por este amargor.

De um momento para outro ficamos amargos. É automático.

A mágoa, o rancor, a raiva, a tristeza são ingredientes de uma substância que intoxica nosso eu mais íntimo.

E quando estamos intoxicados com esta substância, não é momento para tomar nenhuma decisão.

É um momento de desintoxicação. Muito semelhante à quando as pessoas usam drogas e precisam se reabilitar, precisam ficar em condições de seguir em frente.

Perdoar vai muito mais além de questionamentos do tipo “continuo com esta pessoa ou não? ”. Continuar ou não com quem errou com você é outro departamento, estamos falando de perdão.

São ações distintas.

Se você perdoar alguém não significa que você vai continuar ao lado desta pessoa. Isto você vai decidir depois.

Perdoar se refere a como você está por dentro. A como você lidou com esta decepção, com este sofrimento emocional.

Só você pode digerir a situação toda e sentir se o perdão aconteceu ou não.

Qualquer pessoa mais experiente, que já passou por muitas decepções na vida e aprendeu com cada uma delas vai recomendar que você perdoe.

Mas recomenda-se o perdão não porque o outro mereça ser perdoado, mas porque você merece se libertar.

Mágoa, rancor são sentimentos que funcionam como uma âncora. Te prendem no mundo da memória daquele erro cometido.

Pode-se passar dias, semanas, meses ou anos e a memória daquela decepção vai trazer todo o sofrimento novamente.

Então, quando falamos em perdoar falamos não em esquecer, mas sim em digerir tudo, se livrar do que faz mal assim que possível.

Por mais que você tenha sofrido uma injustiça, o fato de não esquecer, de querer devolver a dor que você sentiu não vai lhe ajudar em nada.

Devolver a ofensa ou traição pode até dar um certo prazer, mas depois, além da mágoa virá a culpa. Daí é outro peso que você carregará junto de si e pior: você se coloca exatamente na mesma situação daquele que errou com você.

Pessoa nenhuma vale a humilhação de se tornar a pessoa que você jamais quis ser.

Por isso, aceite o erro, absorva o impacto e perdoe.

Não importa quanto tempo leve até que você consiga perdoar, até que você consiga não sofrer tanto ao lembrar da situação.

O perdão acontece depois do esforço em se tomar esta decisão e elaborar, dentro de si mesmo, uma reforma íntima onde a base de confiança, de superação começará a ser reerguida.

O ato de perdoar é livrar-se do peso de reviver o tempo todo o que te machucou.

Se acontece o perdão eu não vou esquecer, mas ao lembrar já não me sentirei tão mal porque eu decidi que o erro, foi do outro e pertence à ele, não à mim.

Pense em alguns bons motivos para perdoar como por exemplo:

  • Você tira aquele peso dos ombros, alcança o alívio e acaba de vez com aquela sensação ruim, aquele stress que acaba até com sua saúde;

  • Ao deixar de ficar pensando na ofensa, você pode focar mais em você, investe em seu crescimento, sua saúde e sua capacidade de adquirir mais sabedoria para sua vida;

  • O perdão permite que você analise a situação sem ruídos ou interferências dos sentimentos como o ódio e a imaturidade;

  • Você pode se lançar de braços abertos a novas oportunidades, deixar o que foi ruim para trás e buscar reorganizar sua vida investindo em projetos que talvez você tenha deixado de lado por algum motivo;

  • Você vai enxergar a ofensa como algo que pertence ao outro e não a você isto é libertador, lhe faz enxergar melhor como as pessoas agem e como a forma como você reage só depende de você.

Sim, perdoar é difícil mesmo. Claro que é! Isso é inegável, mas quando conseguimos, só temos ganhos.

A sensação que o perdão nos proporciona nos traz mais segurança, nos faz mais fortes e nos permite nos conhecer melhor.

O ressentimento, aliás, reflita sobre esta palavra: ressentimento = re-sentir, sentir de novo; só vai atrair para perto de você pessoas com esta mesma energia, com muitas dificuldades de relacionamento e isto não é nada saudável.

Valorize quem você é, valorize sua capacidade de se redescobrir, se valorizar, se encantar com o que você tem de melhor.

Existe uma curta fábula que ilustra bem nosso tema:

Certo dia dois monges atravessaram um riacho raso. No caminho, se depararam com uma mulher que usava roupas curtas, muito escandalosas e com receio de sujar seus sapatos de salto alto pediu ajuda aos monges para atravessar o riacho.

Os dois entreolharam-se e ajudaram a mulher a passar para o outro lado carregando-a.

Ao achegar do outro lado, a mulher seguiu seu caminho e os dois, seguiram seu caminho para outro lado.

O monge mais jovem se pôs a falar com o mais velho:

– Mas que absurdo, você reparou como ela estava vestida? Mas como é que pode sair assim afrontando os olhos com tamanha promiscuidade em suas roupas? Que mulher cheia de erros, não acha?

E o monge mais velho permaneceu calado.

O jovem não se deu por vencido:

– Você não concorda comigo que ela está carregada de erros em suas roupas e atitudes?

– Eu até posso concordar, mas eu a deixei lá atrás e ela seguiu o caminho dela. Por que você a está carregando consigo até agora?

Esta é uma curta fábula que nos ensina muito sobre o perdão.

Afinal de contas: por que você está a carregar o erro com você até agora?