INFLUÊNCIAS SOCIAIS DO NARCISISMO

A evolução das patologias psicológicas reflete as mudanças na sociedade e na estrutura da personalidade de cada época. Na era de Freud, por exemplo, a histeria e a neurose obsessiva eram predominantes, representando as características da ordem capitalista daquela época, como a ganância, a dedicação excessiva ao trabalho e uma forte repressão sexual. Atualmente, no entanto, observa-se um aumento gradual na atenção dada aos distúrbios de personalidade borderline ou pré-esquizofrênicos, além da própria esquizofrenia. Essa transformação nas neuroses foi observada desde a Segunda Guerra Mundial por muitos psiquiatras, que notaram um aumento de pacientes que não se encaixam nas categorias diagnósticas tradicionais, apresentando queixas vagas e mal definidas.

Peter L. Giovacchini, um dos estudiosos do assunto, menciona que esses pacientes hoje reconhecidos são uma constante na prática clínica. A prevalência de distúrbios de personalidade pode sugerir uma mudança fundamental na organização da personalidade contemporânea, destacando um movimento em direção ao narcisismo.

Allen Wheelis, em 1958, percebeu que havia uma mudança nos padrões de neurose, algo também observado por psicanalistas mais jovens que percebiam uma discrepância entre as descrições clássicas de neuroses e os problemas apresentados pelos pacientes contemporâneos. Esse fenômeno indicava uma transição de neuroses sintomáticas para distúrbios de personalidade. Heinz Lichtenstein reiterou essa observação em 1963, confirmando que a mudança nos padrões neuróticos já era reconhecida como um fato.

Na década de 1970, essa tendência se tornou ainda mais evidente, levando Herbert Hendin a destacar que a redescoberta do narcisismo e a nova ênfase na significância psicológica da morte eram eventos marcantes na psicanálise da época. Michael Beldoch comparou a situação com o começo do século XX, quando a histeria e as neuroses obsessivas eram comuns, enquanto nas últimas décadas do século XX, os distúrbios narcísicos se tornaram mais prevalentes. Esses pacientes modernos raramente sofrem de paralisia histérica ou compulsões de lavar as mãos, mas sentem que é o próprio self psíquico que está adormecido ou que necessita de uma limpeza exaustiva e interminável.

Burness E. Moore e Sheldon Bach também observaram que os distúrbios narcísicos se tornaram mais comuns. Antigamente, os psicanalistas recebiam muitos pacientes com compulsões de lavar as mãos, fobias ou neuroses familiares, mas hoje veem mais narcisistas. Gilbert J. Rose sugeriu que a transplantação inapropriada da perspectiva psicanalítica para a vida cotidiana contribuiu para uma permissividade global e para uma domesticação excessiva do instinto, que por sua vez fomentou a proliferação de distúrbios de identidade narcísicos.

Joel Kovel argumentou que a publicidade ao estimular desejos infantis, a usurpação da autoridade parental pela mídia e pela escola, e a racionalização da vida interior acompanhada de promessas falsas de realização pessoal criaram um novo tipo de indivíduo social. A moderna neurose não suprime um impulso infantil pela autoridade patriarcal, mas sim estimula esse impulso de maneira pervertida, sem oferecer um objeto adequado para satisfazê-lo ou formas coerentes de controle. Esse cenário de alienação distorce a forma clássica do sintoma e elimina a oportunidade terapêutica de simplesmente devolver um impulso ao nível consciente.

O aumento no número de pacientes narcisistas relatado não indica necessariamente que os distúrbios narcísicos sejam mais comuns do que antes ou que tenham se tornado mais comuns do que as neuroses conversivas clássicas. Eles podem simplesmente estar recebendo atenção psiquiátrica mais rapidamente. Ilza Veith observou que, com a crescente consciência de reações conversivas e a popularização da literatura psiquiátrica, as manifestações somáticas da histeria à moda antiga se tornaram suspeitas aos olhos das classes mais sofisticadas. Assim, a maioria dos médicos aponta que hoje os sintomas conversivos óbvios são raros e ocorrem principalmente entre os menos instruídos.

O texto aborda a crescente atenção dada aos distúrbios de personalidade, especialmente o narcisismo, em contextos clínicos e sociais. Com a expansão da literatura clínica, psiquiatras estão se tornando mais conscientes desses distúrbios, coincidindo com um interesse jornalístico pelo “novo narcisismo” e uma tendência ao ensimesmamento.

Narcisistas são frequentemente atraídos por posições de destaque em diversos setores, como movimentos de consciência, empresas e organizações políticas, devido a características que lhes permitem manipular relações interpessoais para obter sucesso. Apesar do sofrimento interno que esses traços narcísicos podem causar, eles auxiliam na ascensão em ambientes burocráticos, onde os laços pessoais profundos são desencorajados e a autoestima é validada pelo reconhecimento externo. Narcisistas podem buscar terapias para dar sentido à vida e lidar com sentimentos de vazio, mas ainda assim conseguem sucesso profissional manipulando a percepção dos outros a seu favor.

O texto menciona um estudo de Michael Maccoby, que descreve o novo líder corporativo como alguém que prefere trabalhar com pessoas a materiais, não com o objetivo de construir impérios ou acumular riqueza, mas para experimentar a alegria de liderar e conquistar. Este novo tipo de executivo teme ser visto como um fracasso e sua motivação principal é controlar e superar os outros. A necessidade de estar no controle é uma característica marcante desses líderes, que buscam se destacar e manter uma ilusão de opções ilimitadas, sem grande capacidade para intimidade pessoal ou comprometimento social.

A lealdade de tais executivos às suas empresas é muitas vezes frágil; eles vêem o poder como uma maneira de não serem controlados pela organização para a qual trabalham. Essa abordagem é apoiada por estratégias que envolvem cultivar clientes poderosos e usar essas relações para ganhar influência tanto dentro quanto fora da empresa. A identificação excessiva com a empresa pode ser vista como prejudicial, pois dá à corporação muito controle sobre as carreiras e destinos de seus funcionários. Em contrapartida, executivos narcisistas buscam gerenciar suas carreiras com base em suas próprias escolhas, mantendo um leque de opções tão amplo quanto possível.

Maccoby caracteriza o “homem de artimanhas” como alguém aberto a novas ideias, mas sem convicções sólidas, capaz de fazer negócios com qualquer regime, independentemente de suas crenças. Mais independente e astuto que o homem corporativo tradicional, ele tenta usar a empresa para atingir seus próprios fins, evitando intimidades que considera armadilhas. O ambiente de trabalho é descrito como excitante e sedutor, onde ele é constantemente flertado e admirado, sustentando sua autoimagem de “vencedor”.

Conforme envelhecem, esses executivos enfrentam dificuldades em manter a atenção e a admiração que são vitais para eles. Alcançam um platô em suas carreiras e podem começar a encontrar obstáculos para progredir, especialmente se não conseguem se adaptar à cultura corporativa mais leal e menos rebelde. O desgaste emocional e a perda do encanto juvenil podem levar a uma crise de meia-idade, deixando-os deprimidos e sem objetivos claros. A psicologia popular e as estratégias para lidar com essa crise de meia-idade são frequentemente revisitadas, indicando a relevância contínua do tema.

Essa análise reflete as mudanças nas expectativas e comportamentos em ambientes corporativos, onde traços de personalidade narcisista podem tanto facilitar o sucesso quanto eventualmente levar a dificuldades pessoais significativas, destacando a complexidade das interações entre personalidade, sucesso profissional e bem-estar emocional.

No romance “Office Politics” de Wilfrid Sheed, uma conversa entre um casal revela que os conflitos no ambiente de trabalho frequentemente se resumem a disputas de egos, mais do que problemas concretos. Esse tema é explorado através do estudo de Eugene Emerson Jennings, que discute a transição do “homem organizacional” para uma nova era de mobilidade corporativa, onde o estilo e a capacidade de gerenciar impressões pessoais são mais valorizados do que o desempenho efetivo no trabalho.

Jennings descreve vários tipos de executivos, incluindo o “enxugador de gelo”, que sofre de paralisia de carreira e inveja o sucesso dos outros, e o “executivo em ascensão meteórica”, que possui uma habilidade notável para entender as dinâmicas de poder dentro do escritório. Este último tipo de executivo aprende a ler as relações de poder e a cultivar seu status, aproveitando cada oportunidade para se aliar aos centros de poder e aumentar sua visibilidade e influência.

O autor compara o jogo do sucesso executivo a esportes ou jogos de xadrez, onde as regras parecem arbitrárias e a substância real do trabalho é muitas vezes ignorada. Ele critica a falta de consideração pelas repercussões sociais e econômicas das decisões gerenciais e a obsessão pela imagem e pela reputação em detrimento de influência real e concreta. O poder, na visão de Jennings, reside na percepção dos outros e não possui uma base objetiva, o que reflete uma visão de mundo narcisista por parte dos gestores.

Este ambiente corporativo é apenas uma das várias influências sociais que promovem um tipo narcisista de personalidade. Outra influência significativa vem da cultura da imagem, exacerbada pela proliferação de imagens visuais e auditivas na sociedade do espetáculo. Vivemos cercados por imagens e sons que transformam nossa experiência em espetáculos, e as câmeras e gravadores não apenas registram, mas também alteram a realidade, transformando a vida em uma série de impressões eletrônicas.

Susan Sontag, em seu estudo sobre a fotografia, argumenta que a realidade está se tornando indistinguível do que é mostrado pelas câmeras. Nossas percepções precisam ser validadas visualmente para serem consideradas reais, e a fotografia se tornou uma prova de existência. Ela discute como as famílias burguesas do passado usavam fotos para afirmar seu status, enquanto hoje o álbum de família serve para verificar a existência individual. A câmera, segundo Sontag, tem usos narcísicos significativos, como a autovigilância, que não só fornece os meios técnicos para autoescrutínio constante, mas também condiciona a noção de individualidade ao consumo de imagens de si mesmo.

A noção moderna de desenvolvimento é influenciada por essa cultura visual. O desenvolvimento é visto como uma série de etapas a serem cumpridas no momento certo, uma ideia que é facilmente registrada e validada por meios eletrônicos. Essa visão é reforçada pela ideologia terapêutica, que estabelece um cronograma normativo de desenvolvimento psicossocial e encoraja um autoescrutínio ansioso. A medicina moderna, com seu foco em check-ups periódicos e na detecção precoce de sintomas por meio de tecnologia avançada, também promove uma vigilância constante da saúde, vinculando bem-estar a uma validação tecnológica.

Essas transformações culturais e sociais incentivam uma resposta narcisista, onde a realidade é cada vez mais percebida e interpretada através de lentes mediadas por tecnologia e imagens, afetando profundamente nossa noção de identidade, poder e interações sociais. A vida, cada vez mais mediada por imagens, desafia nossa capacidade de conectar com o mundo de maneira autêntica e significativa, promovendo uma sociedade onde a imagem e a percepção superam a substância e a realidade objetiva.

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