Os estudos clínicos recentes sobre o narcisismo, em vez de focarem no narcisismo primário, passaram a enfatizar o narcisismo secundário. Isso reflete não apenas mudanças nas teorias psicanalíticas, mas também a alteração do perfil dos pacientes que procuram ajuda psiquiátrica. Na primeira metade do século XX, os pacientes eram descritos principalmente com base nos estudos de Freud sobre o id. No entanto, ao longo dos anos 1940 e 1950, os pacientes passaram a apresentar sintomas diferentes, tornando evidente a necessidade de uma psicologia do ego.
Ao invés das neuroses clássicas detalhadas por Freud, os pacientes limítrofes tornaram-se cada vez mais comuns, trazendo queixas vagas e generalizadas de insatisfação com a vida. Não sofrem de medos paralisantes ou de conversão de repressões sociais em sintomas nervosos. Em vez disso, descrevem sentimentos de vazio e depressão difusos, mudanças bruscas na autoestima e dificuldades generalizadas em se conectar com outras pessoas.
Esses pacientes conseguem cumprir suas responsabilidades diárias e muitas vezes são reconhecidos em suas atividades, mas se sentem infelizes e incapazes de encontrar alegria na vida. Suas identidades frágeis só parecem ganhar força quando se associam a figuras poderosas que admiram e das quais esperam apoio e validação.
A psicanálise, que inicialmente focava em pacientes severamente reprimidos, hoje precisa lidar com personalidades impulsivas e caóticas. Esses pacientes tendem a “encenar” seus conflitos em vez de reprimi-los ou sublimá-los. Embora muitas vezes sejam agradáveis, mantêm uma superficialidade protetora em suas relações emocionais, evitando conexões profundas.
A raiva intensa contra figuras de amor perdidas, especialmente os pais, os impede de sentir luto genuíno, levando-os a se afastar de memórias felizes. Essa raiva e a sensação de privação emocional têm raízes no desenvolvimento psíquico infantil. Frequentemente, esses pacientes sofrem de hipocondria e se queixam de vazio interior. Eles nutrem fantasias de onipotência e acreditam que têm o direito de explorar os outros e serem recompensados.
O superego desses indivíduos é arcaico, punitivo e sádico, e eles seguem as normas sociais mais por medo de punição do que por senso de culpa. Vêem seus próprios desejos e necessidades como perigosos, levando-os a desenvolver defesas primitivas contra esses impulsos.
Além disso, esses pacientes têm dificuldades em processar suas emoções de forma construtiva. Muitas vezes, são promíscuos, mas enfrentam desafios ao tentar abordar a sexualidade de forma lúdica. Evitam envolvimentos íntimos por temer que esses possam desencadear sentimentos de raiva intensos. Suas personalidades, portanto, se moldam em torno de defesas contra esses sentimentos hostis e contra a sensação de privação emocional, resultando num comportamento protetor e, por vezes, superficial.
A abordagem clínica desse perfil de paciente requer novas estratégias terapêuticas que respondam a essas características específicas. Em vez de apenas tentar explorar o inconsciente reprimido, é preciso também compreender a dinâmica de identidade frágil, sentimentos de vazio e a necessidade de apoio externo que os levam a buscar figuras poderosas como fontes de validação.
Os conflitos emocionais que enfrentam, no entanto, os impedem de desenvolver relações mais autênticas e profundas, levando-os a uma constante sensação de vazio e frustração com a vida.
O narcisismo patológico, frequentemente associado a distúrbios de personalidade, pode oferecer insights valiosos sobre o narcisismo como um fenômeno social. A patologia deste tipo de personalidade, caracterizada pela incapacidade de gerir a impressão que causam nos outros e por um desejo voraz de admiração, é ainda marcada pelo medo da morte e do envelhecimento. Esses indivíduos buscam experiências emocionais intensas para preencher um vazio interior, mas frequentemente desdenham daqueles que manipulam para obter a validação.
A origem psíquica desse comportamento encontra-se nas teorias desenvolvidas por Melanie Klein. Ela sugeriu que a criança, inicialmente tomada por uma raiva primitiva direcionada principalmente à mãe, é incapaz de separar as imagens parentais boas das ruins. Ao temer a agressão de pais vistos como figuras monstruosas, ela idealiza aqueles que poderiam salvá-la. Essa distinção simplista entre figuras boas e más torna-se fundamental para as futuras relações.
Além disso, imagens internalizadas desde a infância moldam a autoimagem da criança. Se as experiências futuras não conseguem atenuar ou trazer realismo às suas fantasias arcaicas sobre os pais, a criança não distingue adequadamente entre sua própria imagem e a de outros. Essas imagens mescladas tornam-se defesas contra representações negativas de si e do mundo ao seu redor.
Um garoto estudado por Klein tinha uma visão subconsciente de sua mãe como um “vampiro” ou um “pássaro terrível”, internalizando seu medo como hipocondria. Ele temia que forças más internas devorassem suas partes boas. Essa incapacidade de tolerar ambivalências e ansiedades cria uma cisão entre as imagens boas e más, enquanto as representações negativas são fundidas em um superego cruel.
Para se proteger de suas próprias agressões e invejas, a criança desenvolve fantasias de poder, riqueza e beleza, gerando uma “concepção grandiosa do self”. Essa autopercepção otimista protege a criança narcisista dos perigos internos e externos, evitando reconhecer a dependência emocional de outros. Ela projeta imagens totalmente ruins, criando um mundo de objetos ameaçadores. As boas autoimagens são usadas como defesa, alimentando um conceito idealizado e megalomaníaco do self.
Essa separação rígida entre as representações boas e más impede que a criança reconheça sua agressividade, experimente culpa ou luto e desenvolva empatia. A depressão, nesses casos, não é marcada por um processo de luto, mas sim por sentimentos de raiva impotente e uma sensação de derrota.
O mundo interno do narcisista é povoado apenas por uma autoimagem grandiosa, versões depreciadas de si mesmo e de outros, e potenciais perseguidores. Por isso, ele sente um vazio profundo e uma inautenticidade constante. Embora consiga funcionar diariamente e muitas vezes agradar aos outros com insights superficiais sobre sua personalidade, ele desvaloriza as pessoas ao seu redor e não tem curiosidade genuína por elas. Isso empobrece sua vida pessoal e reforça o sentimento de vazio.
Sua ausência de envolvimento intelectual real com o mundo, apesar de uma percepção inflada de suas capacidades, o deixa com pouca habilidade de sublimação. Assim, precisa constantemente de aprovação e admiração externa, desenvolvendo uma existência parasitária e dependente dos outros.
O medo da dependência emocional e a abordagem manipuladora das relações tornam essas conexões insatisfatórias. Um paciente limítrofe afirmou que sua relação ideal duraria apenas dois meses para evitar compromisso. Passado esse período, ele terminaria o relacionamento.
Dominado por tédio crônico e buscando incessantemente excitação sem envolvimento, o narcisista tende a ser promíscuo e, às vezes, pansexual. Sua busca pela intimidade instantânea reflete o desejo de satisfação emocional sem compromisso. Ele também enfrenta inquietações sobre sua saúde, e sua hipocondria torna-o um candidato natural para terapias e grupos terapêuticos.
Essas características traçam o perfil do narcisista patológico, cuja luta para preencher seu vazio emocional leva a um comportamento errático, superficial e manipulado por suas próprias ansiedades e inseguranças.
Os narcisistas que procuram terapia psicanalítica têm dificuldade em alcançar um tratamento bem-sucedido. Muitos veem na análise uma forma de religião ou estilo de vida, esperando encontrar no terapeuta o apoio necessário para sustentar suas fantasias de poder e juventude eterna. No entanto, suas fortes defesas tornam-nos resistentes ao tratamento, e a superficialidade de sua vida emocional frequentemente impede a criação de um vínculo genuíno com o analista.
Apesar de demonstrarem uma compreensão intelectual da análise e parecerem concordar verbalmente com o terapeuta, eles utilizam esses insights para se evadir, não para promover a autodescoberta. Incorporam as interpretações do analista, mas logo esvaziam essas palavras de significado, transformando-as em meros instrumentos para reafirmar sua superioridade. Em consequência, mesmo que os psiquiatras não considerem os distúrbios narcísicos intratáveis por natureza, muitos mantêm uma perspectiva pessimista sobre o sucesso terapêutico.
Otto Kernberg, renomado psiquiatra e psicanalista, destaca a importância de tentar a terapia nesses casos, mesmo diante dos desafios significativos que os pacientes narcisistas apresentam. Ele enfatiza o impacto devastador do narcisismo na segunda metade da vida. À medida que envelhecem, os narcisistas enfrentam um sofrimento profundo, pois a sociedade valoriza a juventude, a beleza e a celebridade. Esses pacientes têm medo de depender dos outros e de perder a autoestima, que tanto buscam através da admiração relacionada a atributos físicos ou a status social.
As defesas habituais contra os efeitos do envelhecimento, como a identificação com valores éticos ou artísticos, a curiosidade intelectual e o consolo emocional de relacionamentos felizes do passado, não ajudam o narcisista. Ele não consegue obter conforto na continuidade histórica, nem aceitar que as novas gerações possuem as fontes de gratificação que antes ele prezava, como beleza, poder e criatividade.
A dificuldade em encontrar satisfação através da identificação com a felicidade e conquistas dos outros torna-se um obstáculo insuperável. O narcisista é incapaz de apreciar a vida através dos olhos de outras pessoas ou extrair alegria de suas conquistas. A falta de conexão emocional profunda com os outros, somada à necessidade incessante de admiração, resulta num isolamento que se aprofunda com o tempo.
Assim, mesmo com sua capacidade de funcionar aparentemente bem no dia a dia e de estabelecer conexões superficiais, o narcisista sofre um vazio emocional progressivo. A busca por análise e terapia, apesar das dificuldades de tratamento, é motivada pela esperança de encontrar alívio para o sofrimento e um meio de evitar o destino trágico que aguarda muitos narcisistas na velhice.