A Influência dos Vínculos da Infância nos Relacionamentos Adultos

Embora muitos vejam o contrato de casamento como o ápice do compromisso romântico, na realidade, estabelecemos pactos afetivos com todas as pessoas com quem criamos laços. À medida que os relacionamentos se desenvolvem e as pessoas se tornam mais próximas, elas começam a se sentir seguras o suficiente para compartilhar mais sobre seu mundo interior, revelando aspectos que talvez temam não ser aceitos pelo parceiro. Questões simples como irritações diárias ou preferências pessoais, como assistir a esportes na televisão, tornam-se momentos de maior vulnerabilidade, onde as formas aprendidas de amar e ser amado na infância vêm à tona.

Esses momentos refletem os pactos afetivos formados na infância, quando se estava extremamente vulnerável. A interação diária, seja fazendo compras ou trabalhando, envolve uma troca onde esperamos algo em retorno, não por sermos calculistas, mas porque essa é a dinâmica natural do dar e receber, similar à forma como as árvores consomem dióxido de carbono e liberam oxigênio. Essa troca é fundamental também nos relacionamentos românticos, onde buscamos apoio, compreensão e amor incondicional.

Nossa habilidade de engajar nesse tipo de troca equitativa e enriquecedora é fortemente influenciada por nossas experiências de infância e pelo estilo de apego desenvolvido a partir delas. Adaptamo-nos aos cuidados que nossos pais ou cuidadores primários puderam (ou não) nos fornecer. A conexão, sendo um imperativo biológico, nos motiva a dedicar esforços significativos para manter o vínculo com nossos pais, formando a base do pacto afetivo que carregamos para nossas relações íntimas.

Nos primeiros anos de vida, somos extremamente abertos e vulneráveis, dependendo inteiramente do suporte de nossos cuidadores. Até o primeiro ano de vida, já começamos a estabelecer padrões de interação baseados na disponibilidade e resposta deles às nossas necessidades. Quando nossos cuidadores são intuitivos, calorosamente interessados em quem somos e responsivos, desenvolvemos um apego seguro. Esse apego fundamenta a expectativa de sermos bem recebidos, valorizados e apoiados em futuros relacionamentos.

A sensação de ser digno de amor não vem de uma crença abstrata, mas é uma experiência vivida e confirmada pelas reações físicas e emocionais em relacionamentos — uma sensação de calor no peito, abdômen relaxado, facilidade de riso e a aceitação das lágrimas como válidas e dignas de atenção. Isso reforça continuamente o estado ventral do nosso sistema nervoso autônomo (SNA), estabelecendo um circuito neural de regulação afetiva que é verdadeiramente um tesouro.

Entretanto, nem todos têm a sorte de ter pais que conseguem fornecer esse tipo de ambiente seguro e afirmativo. Muitos pais, carregados por suas próprias mágoas e limitações, não conseguem oferecer a resposta adequada aos seus filhos, o que pode levar ao desenvolvimento de estilos de apego inseguros. Esses estilos podem complicar a capacidade de formar e manter relações saudáveis na vida adulta, pois a pessoa pode carregar consigo a expectativa inconsciente de que suas necessidades não serão atendidas, tal como aconteceu na infância.

Esse entendimento é crucial para quem busca curar feridas antigas e melhorar suas relações atuais e futuras. Reconhecer e trabalhar esses padrões e expectativas formados na infância permite uma maior liberdade e segurança nos relacionamentos adultos, abrindo caminho para experiências mais ricas e satisfatórias.

Quando crianças, nossa interação com os pais ou cuidadores principais molda profundamente nossa capacidade de formar e manter relacionamentos durante a vida adulta. Para algumas crianças, a experiência de ter pais emocionalmente disponíveis é substituída pela imprevisibilidade e ansiedade dos pais, o que pode levar a padrões de apego inseguro. Estes padrões, muitas vezes, originam-se quando os pais estão emocionalmente distantes devido a preocupações pessoais, como ansiedade ou foco excessivo em carreiras, deixando suas crianças em um estado de alerta constante e medo de abandono.

Nestas famílias, as expressões de emoção, como alegria, tristeza ou raiva, podem ser reprimidas pelas crianças na tentativa de manter uma conexão superficial com os pais, evitando comportamentos que possam fazer com que se afastem. Esta repressão emocional é um mecanismo de defesa para lidar com a falta de resposta emocional dos pais, levando as crianças a passarem um tempo prolongado em um estado de excitação simpática, que é a resposta do corpo ao estresse ou ameaça. Este estado é marcado por uma vigilância constante e uma preparação para a resposta de “luta ou fuga”, o que pode ser exaustivo e traumático ao longo do tempo.

Por outro lado, em famílias onde o sucesso e o comportamento adequado são valorizados acima de tudo, as crianças podem aprender que os relacionamentos pessoais são menos importantes do que o sucesso no mundo externo. Tais crianças podem se tornar extremamente competentes em suas carreiras e em tarefas acadêmicas, mas muitas vezes se encontram perdidas em situações que exigem intimidade emocional e conexão pessoal. Isso pode resultar em adultos que, apesar de serem bem-sucedidos profissionalmente, têm dificuldade em entender por que essa competência não é suficiente para satisfazer ou fazer seus parceiros felizes. Quando confrontados com a necessidade emocional de um parceiro, essas pessoas podem se sentir sobrecarregadas e recuar para a área onde se sentem mais competentes, como o trabalho.

Essas experiências iniciais formam o que podemos chamar de “pactos afetivos” que carregamos conosco. São acordos inconscientes que fazemos com nós mesmos sobre como nos comportar em relacionamentos para garantir um sentido de segurança e pertencimento. Esses pactos muitas vezes nos levam a moldar nossa personalidade de maneiras que podem ser prejudiciais a longo prazo, porque nos afastam de nossas verdadeiras necessidades emocionais e desejos.

Reconhecer esses padrões invisíveis formados na infância é crucial para entender como eles influenciam nossos relacionamentos atuais. Conexão é uma necessidade humana fundamental, e muitas vezes nos contorcemos em formas incompatíveis com nosso bem-estar apenas para sentir que pertencemos. Este entendimento pode ser o primeiro passo para desfazer os padrões antigos e começar a formar relacionamentos baseados em uma compreensão mais saudável e autêntica do que significa amar e ser amado.

A conscientização e a cura desses padrões requerem um esforço consciente e, muitas vezes, o apoio de terapia ou outras formas de ajuda profissional. Ao abordar essas questões, podemos começar a liberar as expectativas e comportamentos que nos limitam e, eventualmente, aprender a formar relacionamentos que sejam genuinamente nutritivos e satisfatórios. Esse processo de crescimento e auto-descoberta é fundamental para desenvolver uma vida emocionalmente rica e relações profundas e significativas.

CONHECENDO O EU MIRIM

A narrativa de “Eu mirim” revela a continuidade das nossas primeiras experiências e sensações na infância e como elas moldam nossos relacionamentos e ações na idade adulta. Desde cedo, somos levados a interpretar e narrar nossas experiências para dar sentido a elas, o que impacta profundamente a forma como percebemos a nós mesmos e aos outros.

Durante a infância, as interações que temos e as respostas emocionais que recebemos dos nossos cuidadores gravam-se em nossa memória, ficando alojadas no nosso subconsciente. Essas memórias influenciam significativamente nosso comportamento, especialmente em nossos relacionamentos amorosos, pois repetimos padrões e “erros” que nosso eu adulto pode identificar como inadequados. Esses padrões muitas vezes decorrem da maneira como fomos amados e das expectativas que aprendemos a cumprir para receber amor.

O livro apresenta a história de Ben e Hunter, duas crianças de 9 ou 10 anos, que exemplificam como as experiências de infância podem influenciar a capacidade de formar relacionamentos saudáveis. Ben, cuja mãe é extremamente focada em sua carreira e expressa amor principalmente através do reconhecimento das conquistas de Ben, aprende a valorizar o sucesso e a suprimir suas emoções para receber aprovação. Sua mãe, apesar de amorosa, tem dificuldade em oferecer suporte emocional, o que ensina a Ben que o amor se ganha através de realizações, não pela expressão de sentimentos verdadeiros.

Por outro lado, Hunter cresce em um ambiente onde sua mãe está frequentemente distraída e emocionalmente indisponível devido às próprias angústias e à insatisfação com a carreira. Hunter aprende que o amor é algo inconstante e que precisa trabalhar duro para conquistá-lo, reprimindo suas próprias necessidades para atender às da mãe. Essa dinâmica faz com que Hunter valorize qualquer atenção que recebe, colocando as necessidades dos outros acima das suas próprias.

A amizade entre Ben e Hunter se desenvolve porque cada um oferece ao outro o tipo de atenção e reconhecimento que ambos anseiam, baseado nas suas experiências infantis. Ben se sente especial e valorizado pela atenção constante de Hunter, enquanto Hunter se sente vista e importante ao estar ao lado de Ben. No entanto, essa dinâmica eventualmente leva a tensões, pois Hunter deseja mais atenção e Ben se sente sobrecarregado pelas emoções dela, levando ao fim da amizade.

Essa história ilustra como nossos “eus mirins” formam pactos baseados em crenças internas sobre o amor e a aceitação, que são muitas vezes inconscientes e moldados por experiências passadas. Os padrões de comportamento que Ben e Hunter aprendem na infância os preparam para um ciclo de relações onde suas necessidades emocionais não são adequadamente atendidas, refletindo a contínua busca por amor e reconhecimento que foi condicionada desde cedo.

A importância de entender esses padrões é crucial para que possamos formar relações mais saudáveis e satisfatórias. Reconhecer e ajustar esses padrões não só nos permite formar melhores relacionamentos como também nos ajuda a compreender e a curar as feridas do passado que continuam a influenciar nosso comportamento e nossa visão de mundo.

Portanto, ao explorar o conceito do “eu mirim”, somos convidados a refletir sobre como nossas primeiras experiências moldam nossas interações presentes e como podemos aprender a reconhecer e modificar padrões de comportamento que nos impedem de viver relações mais plenas e equilibradas. Esta reflexão é essencial para quem busca entender melhor suas próprias relações e para aqueles que trabalham para superar as dificuldades emocionais herdadas da infância.

DE ONDE VÊM NOSSAS FERIDAS PRIMORDIAIS

A história de Hunter e Ben desdobra-se como um exemplo palpável de como as feridas emocionais originadas na infância continuam a influenciar o comportamento e as escolhas de relacionamento na vida adulta. Ben cresceu em um ambiente onde a demonstração de emoções era essencialmente ignorada, levando-o a adotar um estilo de apego evitativo. Ele aprendeu a reprimir suas emoções para manter uma conexão, ainda que superficial, com seus pais distantes emocionalmente. Hunter, por outro lado, cresceu ansiando pelas esporádicas demonstrações de afeto de uma mãe inconsistente, o que a fez desenvolver um estilo de apego ansioso, caracterizado por uma busca desesperada por afeto.

Essas primeiras experiências com os pais não apenas estabeleceram padrões de comportamento, mas também instilaram crenças profundas sobre o que significa amar e ser amado. Sem uma avaliação consciente e um esforço para entender e curar estas feridas primordiais, Ben e Hunter, como muitos de nós, continuam a operar sob a influência desses padrões antigos, o que frequentemente os leva a recriar os mesmos problemas em seus relacionamentos românticos.

As feridas primordiais são formadas quando nossas necessidades emocionais básicas não são atendidas na infância. Isso pode variar desde uma leve falta de atenção até negligências mais graves. Essas experiências moldam nosso sistema de apego e afetam profundamente nossa capacidade de estabelecer vínculos seguros e saudáveis. Ben, por exemplo, nunca aprendeu que era seguro expressar suas emoções, enquanto Hunter cresceu sentindo que precisava estar constantemente vigilante e agradável para receber um mínimo de atenção.

Esses padrões são perpetuados pela maneira como nossos cérebros se desenvolvem em resposta às nossas experiências de apego. A amígdala, uma parte crucial do cérebro envolvida na resposta emocional, armazena as memórias de nossas reações a situações ameaçadoras da infância e utiliza essas informações para influenciar nosso comportamento em situações semelhantes na vida adulta. Este mecanismo, embora originalmente destinado a nos proteger, pode frequentemente levar-nos a reagir de maneiras que não são adequadas para as circunstâncias atuais, perpetuando padrões de comportamento que comprometem nossa felicidade e a saúde de nossos relacionamentos.

A superação desses padrões exige um compromisso consciente com a autoexploração e a cura. Reconhecer como fomos moldados por nossas interações iniciais com nossos cuidadores pode abrir caminho para um entendimento mais profundo de nossos próprios comportamentos e necessidades em relacionamentos. Este processo também pode envolver reavaliar e, possivelmente, redefinir nossas reações emocionais e expectativas de relacionamentos, que foram baseadas em experiências passadas e não necessariamente em nossa realidade atual.

Ao fazer isso, temos a oportunidade de desenvolver um apego mais seguro, que nos permite interagir de maneira mais saudável e equilibrada com os outros. A jornada para curar as feridas primordiais é desafiadora, mas essencial para que possamos formar e manter relacionamentos verdadeiramente gratificantes e amorosos. Isso requer uma disposição para enfrentar e trabalhar através de velhas dores e medos, uma jornada que, embora difícil, é incrivelmente recompensadora.

Ao final, este processo não apenas melhora nossas relações românticas, mas também todos os aspectos de nossas interações sociais, permitindo-nos viver vidas mais plenas e satisfatórias.

Hunter e Ben são dois indivíduos cujas interações revelam profundamente as feridas emocionais que carregam desde a infância. Este relato descreve como o medo de abandono pode se manifestar e influenciar os relacionamentos ao longo da vida adulta. Para pessoas com um estilo de apego ansioso como Hunter, essa ferida se traduz em uma hipersensibilidade a qualquer sinal que possa indicar abandono. Esta condição resulta de uma atenção inconsistente às suas necessidades emocionais durante a infância, levando a um estado constante de alerta e a uma ativação do sistema nervoso autônomo (SNA) em modo de excitação simpática.

Quando essas pessoas percebem a possibilidade de serem abandonadas, sua reação instintiva é focar excessivamente nas necessidades dos outros ou, em casos mais extremos, agarrar-se desesperadamente a eles na tentativa de obter conforto e segurança. Este padrão de comportamento não apenas revela a intensa necessidade de validação e afeto, mas também o medo profundo de perder relações significativas, o que poderia reativar a dor de antigas feridas emocionais.

Por outro lado, pessoas com um estilo de apego evitativo, como Ben, enfrentam uma ferida primordial de negligência afetiva. Durante sua infância, suas emoções frequentemente passavam despercebidas, o que levou ao desenvolvimento de um mecanismo de defesa cerebral que cria uma barreira entre suas necessidades emocionais e sua capacidade de funcionar no dia a dia. Quando a intimidade ameaça expor essa dor não resolvida, seu sistema reage fechando-se e desviando o foco para tarefas práticas, uma maneira automática de proteger-se da imensa dor associada a ter suas necessidades emocionais ignoradas.

Para curar essas feridas primordiais e melhorar a funcionalidade nos relacionamentos interpessoais, é essencial reconhecer e dialogar com esse ‘eu mirim’ ferido. O processo envolve um compromisso com o autoconhecimento e a autoempatia, dedicando tempo para refletir sobre as experiências mais dolorosas da infância e aprender a oferecer a atenção e o cuidado que não foram recebidos naquela época. Este é o início de um processo de transformação pessoal, chamado aqui de “tornar-se ególo”, que será explorado em profundidade na segunda parte do livro.

Identificar essas feridas é o primeiro passo para começar a reescrever o pacto doloroso, mas adaptativo, que muitos formam com seu eu interior. Este pacto é frequentemente a base das dificuldades encontradas nos relacionamentos, pois molda as expectativas e reações às interações íntimas. Ao tratar essas feridas, é possível desenvolver relacionamentos mais saudáveis e satisfatórios, fundamentados no entendimento e respeito mútuos pelas necessidades emocionais de cada um.

Portanto, o caminho para a cura e para a melhoria dos relacionamentos passa por uma jornada de reconhecimento e aceitação das próprias fragilidades e traumas passados. Ao abordar essas questões de frente, com compaixão e determinação, indivíduos como Hunter e Ben podem não apenas aliviar o peso de suas feridas passadas, mas também abrir novas possibilidades para conexões mais profundas e significativas em suas vidas.

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